A história do carnaval está estritamente ligada à paixão sobre rodas. Essa máxima resume um pouco da festa desde as primeiras décadas do século XX até os dias atuais nas grandes cidades brasileiras. Em Belo Horizonte não foi diferente e o carro foi elemento chave na cultura carnavalesca da jovem capital.
Em 117 anos de tradição do carnaval belo-horizontino, sempre houve algum veículo no meio da folia. Para 2016, uma Chevrolet Veraneio será rainha de bateria do Unidos Samba Queixinho, enquanto uma Volkswagen Kombi dá o som no bloco Chama o Síndico.
Em consulta aos documentos originais do historiador Abílio Barreto (1883-1957) feitos na década de 1930, o Portal Vrum encontrou relato do carnaval nos primeiros anos de Belo Horizonte. Em 1898, exatos 68 dias após a inauguração da cidade, a festa foi improvisada com apenas alguns foliões mais animados, assim como no período de construção. Mas naquele mesmo ano, a turma decidiu se organizar para realizar o primeiro carnaval 'de verdade' na então Cidade de Minas.
Surgiu a primeira organização carnavalesca de Belo Horizonte: o Club Demônios da Luneta. Em 1899, o grupo programou o carnaval oficial da cidade: os membros do clube exibiram 14 carros alegóricos pelas ruas da capital em meio batalhas de confete e gracejos com as moças. Ou seja, o primeiro carnaval da cidade foi sobre rodas e tração animal!
A partir da década de 1910, outro veículo entrou na folia mineira. Os primeiros automóveis de Belo Horizonte foram utilizados pela elite no carnaval. A brincadeira é conhecida como 'corso': carros abertos ornamentados que desfilavam durante os quatro dias do feriado. Quem estava embarcado e foliões a pé travavam disputas com confetes, serpentinas e lança-perfume. Esse tipo de diversão foi comum no Rio de Janeiro, cidade que sempre inspirou o carnaval de BH.
“Era uma diversão para pessoas mais abastadas, afinal quem poderia ter um carro naquela época? O público ‘comum’ ficava de plateia nas ruas. O corso tinha um caráter muito disciplinador, com desfiles planejados e autorizados pela polícia, com roteiros divulgados nos jornais. Essa característica tinha a ver com a noção de ‘cidade planejada’ contra a bagunça do carnaval, algo que agradava elite e autoridades”, conta o historiador Hilário Pereira Filho, do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e doutorando em História pela Unirio. Em sua dissertação de mestrado, defendida na UFMG, o historiador estudou o carnaval de BH entre 1899 e 1936.
A presença do carro é tão importante, que a foto de carnaval mais antiga do acervo do Museu Histórico Abílio Barreto é de 1917, de um corso todo enfeitado. Geralmente os veículos faziam um roteiro passando pelas avenidas Afonso Pena e Liberdade (atual João Pinheiro). Além disso, algumas empresas alugavam veículos para curtir o carnaval, enquanto propagandas nos jornais da época exploravam o costume.
Além dos automóveis, caminhões tinham espaço no carnaval para levar as ‘sociedades carnavalescas’, que organizavam desfiles e promoviam festas e bailes fechados. Os veículos eram ornamentados para divulgar os clubes. Tanto os corsos como as sociedades entraram em declínio a partir dos anos 1940, quando surgiram as escolas de samba e blocos caricatos.
Carros fantasiados
Com a chegada das escolas de samba no carnaval de Belo Horizonte, os aristocráticos corsos ficaram de lado. Os proprietários passaram a curtir a festa em clubes fechados. Porém, a medida que os desfiles das escolas ficaram mais elaborados, os veículos voltaram a integrar a folia.
Os blocos caricatos também utilizavam veículos ornamentados durante a festa em Belo Horizonte, a exemplo das antigas sociedades carnavalescas. O bloco ‘Corsários do Samba levava a bateria a bordo de um caminhão. Nos anos 1970, automóveis transformados em carros alegóricos desfilavam na Praça da Liberdade em meio aos blocos.
Quando as escolas de samba começaram a desfilar na Avenida Afonso Pena, em 1980, mais uma vez veículos foram aliciados. A foto do desfile de 81 exibe uma Chevrolet C10 como abre alas de uma escola.
No final dos anos 1980 e entre 2005 e 2006, houve uma tentativa de retomada dos corsos, com desfiles e batalha de confetes. Clubes de carros antigos desfilavam na Praça da Liberdade, exibindo os modelos históricos e adaptados para carros alegóricos, como essa inusitada Kombi Foguete que aparece nas fotos.
Veículos de volta ao Carnaval de BH
Se no passado os automóveis eram restritos à parcela rica da população, hoje alguns blocos do novo carnaval de Belo Horizonte utilizam alguns modelos em seus desfiles. O Chama o Síndico, que vai desfilar nesta quarta-feira é um deles.
Desde o primeiro desfile, em 2012, o grupo utiliza uma Volkswagen Kombi com pintura saia e blusa como carro de som da banda. E também é tradição o utilitário com motor a ar ter algum problema mecânico e precisar ser empurrado pelos foliões...
Para 2016, outro veículo será homenageado no Carnaval de Belo Horizonte. Uma Chevrolet Veraneio será a rainha de bateria do Unidos do Samba Queixinho. O grupo, que se denomina uma escola de samba de rua, resolveu ‘convidar’ o veículo pela história na cultura da cidade. A Veraneio, batizada de Esmeralda, pertence ao grupo Galpão e já foi utilizada em diversas atividades artísticas.
“Todo anos fazemos algo diferente com a rainha de bateria para divulgar alguma causa. Neste ano, pensamos em colocar a Veraneio para homenagear o Grupo Galpão, que tem um grande trabalho em levar o teatro de rua a tanta gente”, explica o jornalista Gustavo Caetano, fundador do Queixinho.
A escola de samba vai decorar o veículo com uma alegoria surpresa, só revelada no desfile, previsto para a manhã de domingo de carnaval. “Vamos preservar toda a tradição do Galpão, mas colocar um pouco da nossa identidade do samba Queixinho”, adianta Gustavo.
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